Novo Jack Sparrow mostra o pirata que há em nós

Jack Sparrow demora para ser reconhecido como um dos piratas mais temidos dos sete mares em sua mais nova aventura nos cinemas. Logo nos primeiros momentos, ele é facilmente confundido com Gibbs, seu parceiro de longa data. O júri pergunta a Gibbs quais são os seus planos, achando que ele é Jack Sparrow.

Se a situação parece ridícula a princípio, porque todos conhecemos quem é e quem sempre foi o capitão, tudo muda de cena quando conseguimos identificar apenas pelo olhar e pelos trejeitos no rosto que, na verdade, o juiz que interroga Gibbs é ninguém mais, ninguém menos que Sparrow.

Momentos adiante, os rumores aumentam: Sparrow está recrutando homens para uma nova jornada, desta vez à misteriosa e lendária Fonte da Juventude. Ele não sabe de nada e estranha haver tanto burburinho na Inglaterra sobre ele, que acabara de chegar ali e já é confundido com outro pirata.

O elemento do duplo é muito trabalhado em Navegando em Águas Misteriosas, quarto filme da saga da Disney, que estreia nesta sexta-feira (20). Logo no começo é Gibbs que se passa, meio sem querer, por Sparrow. Depois é a sedutora Angélica, vivida por Penélope Cruz, que faz as vezes do capitão. A diferença: ela faz por querer. A filha do pirata Barba Negra deseja, a todo o custo, chegar à Fonte da Juventude e é ela, fazendo-se passar por Sparrow, que está recrutando homens para a aventura mortal.

Ao mesmo tempo que esse jogo de espelhos, em que o ápice é atingido na luta entre os dois Sparrow (Johnny Depp e Penélope), tem um efeito muito engraçado, ele diz muito sobre dois tipos de condições fundamentais.

Primeiro, a condição da produção de mais um filme da série, pensada anteriormente como trilogia. Jerry Bruckheimer, produtor da saga, até considerava uma possível quarta parte, mas sempre deixou bem claro que toda a história de Jack se fechava em três partes. No entanto, depois do sucesso de No Fim do Mundo, de 2007, ficou impossível evitar mais continuações.

E como renovar um personagem, como mantê-lo atual, interessante? É preciso criar um outro, alguém que o espelhe, que o acompanhe, com o qual se misture e se amplie, criando novas expectativas. Acontece com Indiana Jones, que, depois da presença do pai, vem acompanhado do filho (em Reino da Caveira de Cristal). Acontece com a tenente Ripley, na série Alien.

Segundo, a própria condição de pirata exige essa personalidade espelhada com a qual contrastar. No combate com Angélica, quando ela está vestida de Jack Sparrow (de bigodinho e tudo), fica fácil perceber porque, no fim das contas, ambos sobrevivem e se dão bem. Sparrow usa esse seu espelho falsificado e enferrujado, na imagem de Angélica, para também atingir os seus objetivos, que, não por acaso, coincidem com os da bela pirata.

Em uma estratégia brilhante para despistar quem está no encalço deles, eles confundem os inimigos e fogem. Há um porém: o espectador não se confunde, sabe, mesmo apenas com a sombras em 3D brincando pela tela gigante do cinema, quem é Angélica e quem é o Jack Sparrow. E esta é a graça do cinema: fazer com que a gente se veja ali também, ciente do truque dos dois. Como se Sparrow falasse pra gente: os guardas ingleses estão todos confusos, mas vocês, aí do outro lado, sabem de toda a verdade, não é?

O bom desse novo Piratas do Caribe é isto. Não só a presença de, talvez, as mais lindas sereias já mostradas pelo cinema. Não só a presença de zumbis no navio de Barba Negra. Não é sequer o 3D. Mais do que isto, o filme traça todo um caminho, da Inglaterra à Fonte da Juventude, que nos faz ficar bem perto das loucuras de Sparrow, a ponto de acreditarmos que participamos dela.

Como no primeiro filme, A Maldição do Pérola Negra, somos testemunhas participantes e ativas de todas as suas aventuras. E, em um momento ou outro, ele nos dá aquela piscadinha pra câmera. E saímos todos satisfeitos.